Izabella Pavesi

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Textos


Anna e a canoa


        Botuverá, 1951. A pacata cidade amanhece brilhosa. É outono. Cada qual vai à luta, muitos vão para a roça, João vai para a marcenaria fabricar portas e janelas, e a mulher Anna está às voltas com os afazeres da casa. Todas as tarefas exigem muito: levantar de madrugada, cortar trato, alimentar a vaca e o bezerrinho, tirar leite, trazer para a casa, fazer café, amassar o pão, sovar o pão, deixá-lo descansar, arrumar a casa, rachar a lenha, fazer fogo, levar o pão para o forno... Oh! vida! É muita coisa! Um dia festivo se aproximava. Era necessário fazer a preparação: amendoim doce, casquinhas de ovos enfeitados, doces de polvilho, bolo com fubá e ricota e outras gulozeimas.

        Aquele dia, vinte e três de março, ficou na memória da Aninha e das famílias da redondeza. Quase uma grande tragédia aconteceu na pequena vila. Recém-casada, esperando sua primeira filha, queria muito buscar queijo, morcilha e torresmo no sogro da irmã Maria, Giuseppe Pozzi, do outro lado do rio, pois era sexta-feira santa, e a Páscoa merecia boas refeições. Mulher de decisões firmes, a esposa do Sr. João não queria passar o dia festivo sem uma comida especial e o marido estava na labuta na sua pequena oficina de móveis.
        Quando chegaram os primeiros imigrantes, se dividiram de um a lado e outro do rio Itajaí-Mirim, os lotes foram vendidos assim. Uma pequena canoa feita de troncos talhados pelo cunhado era utilizada por eles e por alguns parentes que precisavam atravessar o rio para se movimentarem de um lado para o outro da região.
        Bem cedinho, Aninha desceu a margem do rio, subiu na canoa e remando se dirigiu para o lado de lá. A barriga de sete meses incomodou um pouco, mas foi em frente. Alcançou a outra margem com muito sacrifício, pois, jamais tinha pego em remos. Foi assim, na coragem e na determinação.
Sentiu-se feliz de visitar a irmã Maria Pozzi, e rever seus sobrinhos muito lindos e saudáveis. Comprou o que precisava, sentou-se para trocar dois dedos de prosa, e se despediu. Voltou à margem do rio, colocou o saco de compras na canoa, e respirou...

        Tinha que retornar... Subiu na embarcação com a ajuda das cunhadas Sabina e Lizete.
        Acomodou-se no meio do pequeno bote. Depois, as cunhadas soltaram a corda que mantinha a canoinha presa na margem.
        - Tchau, tchau! – ambas se saudaram.
       Aninha remou na direção oposta. Foi lentamente conduzindo a canoinha pelo leito do rio. Eis que uma ventania surgira no horizonte, causando o encrespar das águas, e o que era pior, umas marolas provocavam ligeiros redemoinhos. Nossa! A canoa embestou e deu em dar voltas... Aninha remava e remava e não conseguia sair do meio do rio, e chegar a outra margem.
        - Força! Rema! Rema mais forte! – gritou Sabina, ainda na margem completamente assustada. Lizete levou as mãos ao céu em preces.
        Aninha tentava impulsionar os remos com a força que tinha, mas fazia círculos.
       - Rema, rema! Para o outro lado! – gritou, quase se jogando na correnteza para ajudar a cunhada – Madona, nos ajude!
     - Que difícil! Que canoa pesada! - Aninha se desesperava, a gravidez lhe preocupando seriamente, sem forças para sair daquela situação. Parou um pouco. Mas, a canoa queria ir junto da correnteza, rio abaixo. Parou novamente. Respirou fundo. Foram umas duas horas naquele torpor de assustar todo mundo, passaram umas pessoas na outra margem e paravam pra tentar ajudar. Aninha, nervosa, estava a ponto de cair em prantos, encheu-se novamente de força e coragem, e impulsionando o remo para a direção certa foi se aproximando da outra margem. Felizmente, conseguiu atingir o outro lado do rio Itajaí-Mirim para alegria dos amigos que vieram socorrê-la.
        Chegou em casa esbaforida, exausta, quase sem fôlego, e o episódio virou notícia nas redondezas.
       Depois desse acontecimento, Sr. Pozzi mandou construir uma ponte pênsil exatamente naquele lugar, para que todos pudessem ir até eles sem passarem por um drama tão grande, para que ninguém fosse se afogar naquelas turbulentas águas. Em menos de um mês, lá estava ela, uma belezura de ponte que Aninha agradeceu para sempre pelo gesto tão nobre.
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P.S.: Anna é minha querida mãe, sempre lutando pelos seus filhos. Minha homenagem!


                              Izabella Pavesi
Izabella Pavesi
Enviado por Izabella Pavesi em 07/05/2016
Alterado em 08/05/2016


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