GIOTTO e os sons angelicais
Eflúvios natalinos pairavam no ar, entre seres e luzinhas nos céus de Firenze. Dois dias após a grande celebração do mundo cristão, homens, mulheres, velhos, crianças... todo o universo ainda reverenciavam a vinda do Menino Deus. O guia turístico anunciou: “Giotto, Giotto... este é Giotto!”... - efusivamente, parando diante da estátua do mesmo na Galleria degli Uffizi a Firenze, onde eu, Aninha e tantos outros turistas nos encantávamos na avenida de estátuas. Naturalmente, estávamos boquiabertos com as maravilhosas obras-primas de pintores, artistas e gênios do renascimento italiano. - “Giotto de Bondone, nascido em 1267, il grande pittore, o grande pintor!”- ele repetia – Este, que pintou a “Homenagem de um simples”, “A visão da carruagem de fogo”, “A visão dos tronos”, “O milagre da fonte”, e outros belos quadros que estão em Assis, na Basílica de São Francisco... - com grande entusiasmo, continuou: - “Também, deixou maravilhas em Padova, na Capela Scrovegni, como: “A Natividade e a Anunciação aos Pastores”, “A Epifania”, “A fuga para o Egito”, “A expulsão dos mercadores no Templo”, e tantas outras pinturas retratando momentos importantes da nossa história, da Bíblia sagrada. Mas,... continuemos a ver as suas obras aqui perto. Saímos dali, seguindo-o pelas ruas de Firenze, até a Praça Santo Stefano. Logo entramos no Museu Diocesano de S.Stefano al Ponte. Ali nos deleitamos com outros painéis, dentre eles a “Madona in trono com Bambino e Angeli”, que o genial Giotto pintou em 1295... que preciosidade! No belíssimo museu de arte sacra o silêncio reinava, e enchemos os olhos de emoção na capela “degli Orafi”. Foi pra nós uma bela surpresa, a descoberta do legado deste pintor, suas incríveis telas e afrescos. Saímos pela rua. Um frio intenso emergia da terra, e sussurrantes ventos cerravam a paisagem. Engalfinhamo-nos num café espaçoso, cheio de animosidade. A atmosfera natalina se dissolvia em espirais fumegantes. Vozes do mundo inteiro ecoavam pelas mesas. Quantos turistas! Entre um capuccino e outro folheamos um livro que Aninha, uma vovó elegante, tinha adquirido no museu. Sugeriu que fossemos atrás dos pincéis do pintor genial. No dia seguinte, lá fomos nós... rumo a Tolentino. Sorri de emoção, a arte renascentista italiana me encantava cada dia mais. Faziam dois graus pela manhãzinha gelada e iluminada. Pegamos uma condução e seguimos. Passadas algumas cidades, alguns vilarejos, e uns campos de oliveiras, chegamos a Tolentino. O condutor, orgulhoso de sua terra, foi nos levando por antiquíssimas ruas, cujas casas exibiam enfeites natalinos. Aqui e ali, viam-se pinheiros coloridos. - “Temos dois ótimos teatros aqui,...”- falou – “... um deles aí está,...” e foi parando diante do Teatro Vaccai. – “Fechado!...” – disse-nos, surpreso. – “Venham à noite, teremos uma grande orquestra se apresentado”. Depois, dirigiu-se à Via delle Caserme, onde parou diante da Igreja Della Carità. -“Esta igreja medieval é dedicada à São Giacomo, foi construída no século XII”. - “Que linda!”... – exclamei, - “Mas, queremos a Basílica de São Nicola”. Seguimos, e desembarcamos na Praça della Libertà. A Torre Dell’Orologio soava três horas da tarde. Uns acordes suaves me despertaram os sentidos. Dei um giro de olhares... de onde vinha aquele doce som?!... alguém, solitário, solfejava agudas notas... O som da gaitinha de boca avivou minha memória,... - auscultei... - “Madonina, parece meu irmão pequenino tanto tempo atrás!... sentado numa soleira de porta... que nostálgico!”- disse-lhes a meia voz. Contornamos a praça, pegamos uma via lateral, e chegamos à Basílica de São Nicola. Esta é uma das mais importantes da Itália, e foi construída no séc. XIII, com uma imponente fachada de mármore branco, sendo revestida de afrescos e pinturas góticas incrivelmente bem conservadas. Fomos descobrindo os seus tesouros, passo a passo... no silêncio da igreja. Os olhos de Aninha brilhavam de satisfação ao deparar-se com o monumental interior coberto com blocos dourados que reluziam nas paredes e no teto. Esplêndido!... Seguimos para a grande capela (Il cappelloni), colorido com figuras bíblicas, em afrescos bem delineados. Enchemo-nos de admiração. Cenas diversas nas paredes em tons coloridos sob uma abóbada celeste, tendo ao centro a estátua de São Nicola sobre uma cripta de mármore, que data de 1460. Ele foi um monge agostiniano que viveu a maior parte de sua vida em Tolentino. Sentamo-nos numa banqueta, e elevamos uma prece... Uns ecos sonoros de cantos líricos, ao fundo, ressoavam. Depois, segui por uma estreita rampa que descia ao subsolo, perseguindo aqueles sons em vozes infantis longínquas e únicas. Logo, numa vitrine um presépio iluminado: um conjunto de esculturas de pedra rosácea: José e Maria e o Menino Jesus na manjedoura, entre pastores, anjos, jumentos e um boizinho. A serenidade e a doçura de Maria e José, com traços tão humanos, cobriram-me de ternura, era mistério e poesia presentes ali num Natal atemporal. Noutra vitrine um presépio feito de pétalas de seda estilizadas e coloridas transmitia alegria e, ao lado, um presépio de palha. Fui sendo agraciada com o vislumbre de outros presépios de diversas cidades, e ao dar um passo mais a frente do último deles, um bem maior, estanquei. Simultaneamente, fachos azuis de neon irromperam... com uma música sacra: “cantate domino... cantate et benedicite nomini...” com muitas vozes infantis... que ecoavam... “cantate domino...” Sons angelicais, simplesmente! Prostrei-me com olhos marejados diante de Jesus menino com olhar inocente, impassível e lindo!... Bendito sejas, Menino Deus!... - “Emocionante, hem!...” – disse Aninha, que chegou, de repente. Foi um momento que jamais esqueci, naquele dezembro de dois mil e cinco, e sempre me emociono ao relembrar. _______________________________________________ Izabella Pavesi Texto publicado na Revista INSIEME - edição 142 - outubro.2010, em português e italiano. _________________________________________________________________________ Izabella Pavesi
Enviado por Izabella Pavesi em 15/11/2010
Alterado em 16/07/2015 |