A emoção de voar
Que felicidade voar!... Num grande casulo de prata! Percorrer os céus com asas de aço, junto às nuvens, ver o mundo lá de cima, como os pássaros! Olho pela janela o aeroporto, os passageiros nas janelas de lá acenando aos viajantes enclausurados no avião. O céu da ilha se fechou e chuviscam umas gotículas que me lembram a garoa de uma cidade grande. Estamos todos sentados, afivelados e os motores roncam... Estão esquentando a poderosa máquina. O radar sobre a torre de controle aéreo gira e gira, lá no final da pista. Escolhi a poltrona 10 sobre a asa direita, que é mais seguro, penso eu. Um passageiro (de cabelos brancos) a minha frente está sufocado, claustrofóbico... Tem medo de avião. Inquieto procura alguém pra conversar: – “Olá... senta do meu lado, por favor?”- ele pede a moça da frente. A jovem executiva se esquiva, sem responder, tem um laptop na mão e mil coisas na cabeça pra resolver. – “Oi”... ele acena pra aeromoça. Ela logo vem acalmá-lo –“Quer água, senhor?” – “Não, não!” - ele diz ansioso - “Só quero alguém pra conversar e segurar minha mão.” - Uma mulher charmosa da fileira de lá (lado esquerdo) das poltronas se ergue, e se posiciona ao seu lado. Porta um altivo colar de pérolas, casaquinho bege e um amável sorriso. - “Logo vamos aterrissar em São Paulo... é só uma horinha de passeio pelos céus” – diz ela firmemente, segurando a mão de nosso viajante apavorado. Alguns passageiros acham graça do medroso... a cena é inusitada, em outros tempos seria bizarro. Mas, quem não receava algum imprevisto desastroso? A lembrança do acidente da TAM, ocorrido havia pouco mais de um mês, fazia-me tremer de medo também. Ali na poltrona reclinável, sabendo que logo estaria com meu amado, os incidentes me pareciam um tanto fugazes. Quando se está mergulhado numa nova paixão pouco nos damos conta do perigo que nos ronda. Eu sentia uma felicidade tão grande em voar de avião que estranhamente sorri. - “Yasmin, entra!... entra e se aquiete!”- ordena a mãe atrás de mim, pra filhinha pequena. O bebê no seu colo fica bem quietinho, olhinhos arregalados. - “Atenção... tripulação... preparar para a decolagem” – disse uma voz linda, voz de tenor... O piloto só podia ser um homem muito corajoso, inteligente e carismático. Dou uma olhada à frente... Todos os comissários e aeromoças já estão sentados, afivelados e cautelosos. No dia 17 de julho de 2007 um avião da mesma companhia ao aterrissar no Aeroporto de Congonhas, não conseguiu frear a tempo, atravessou toda a pista e foi parar no outro lado da avenida, chocando-se contra o prédio da própria TAM, incendiando e matando todas as cento e oitenta e sete pessoas a bordo, e mais algumas em terra. Foi um trágico acidente! Decolamos! Dez minutos depois, o avião já estava dentro das nuvens densas. No visor da janelinha de vidro só algodão doce branco acinzentado passando veloz. E um ronco. Nossa!... Como esta cápsula ronca!... Quanto tempo dentro da nuvem... estou nervosa... que aflição!... Um arrepio me percorre o corpo. Fecho os olhos. Reteso-me impaciente. Vamos lá meu pássaro prateado... força!... não vá se perder nas alturas. - Ufa!... finalmente estamos acima delas... das nuvens. Como se tivesse rodinhas na lataria, agora, a aeronave desliza sobre os algodões esbranquiçados. Como é lindo! Tudo é luminoso lá em cima. Um imenso campo de nuvens e o horizonte infinito de todos os lados. Pertinho de Deus. Uma beleza indescritível! OK! Já estamos seguros. “Podem soltar os cintos” - diz o aviso no teto. Que bom! Relaxamos... Pego a revista de bordo e me entretenho lendo amenidades: “Invasão 3-D: O difícil é saber se é você que foi jogado para dentro do filme ou se é o filme que está se atirando sobre você. Demorou, mas parece que a tecnologia 3D no cinema agora veio pra ficar. (...) A melhor parte é que, agora, grandes produtoras têm investido no formato. Só em 2009 vão estrear Monstros vs Alienígenas, em abril, (...) e A Era do Gelo 3, em julho. Em 2010, adaptações para 3D de Guerra nas Estrelas e O Senhor dos Anéis devem ser a sensação” (Revista de bordo, p.29). Dou um risinho maroto... sorrio comigo mesma com essa loucura que é a era digital. Logo, serão servidos refrigerantes e lanches para os passageiros. Enquanto isso, as vizinhas do outro lado conversam... trocam algumas idéias. - “Mamãe, não pode machucar, né, mamãe?!” – diz a vozinha atrás de mim. - “Não, Danizinha, o bebê é muito pequenino”- fala docemente a mamãe. Tomo um suco de laranja com gelo e como um pão de batata recheado que o comissário gentil me serviu. Jade, minha querida Jade, a filha tibetana de meu amor, ligou-me de Maróstica, às cinco horas da manhã de quinta-feira: - Complimenti, Jade! Sei in cinta! Che meraviglioso! (Parabéns,... você está grávida, que maravilhoso!) -Cara, quando viene? Vieni súbito! Sinto la tua mancanza... tu mi manchi! (Querida, quando vens? Venha logo! Sinto saudades... você me faz falta!) - Já estou partindo!... Embarco dia vinte próximo. Jade, então, falou que iria procurar um telefone público pra falar um pouco mais comigo. Esperei, esperei longos minutos, queria mesmo falar mais com ela. Mas, a chamada não se concretizou... Talvez, deu “tilt” no satélite. Custei, naquela noite, dormir novamente, estava pregada... sintoma de gripe. Senti que realmente ela estava muito ansiosa por me ver, e falar comigo. Igualmente eu. Tínhamos grande afinidade, e ela estranhava aquele povo italiano. Com certeza, sentiu a minha ausência, pois sempre saíamos pra passear... Fomos muitas vezes a Bassano, a Vicenza, e diversas vezes, em encontros e palestras a favor do Tibet. Houve o lançamento de um livro numa livraria perto da praça central de Vicenza, e meu amor foi lá me buscar com Beppe, marido dela. Também fomos a Breganze no lançamento de um livro sobre vinhos escrito por Giuseppe Bedin e outros autores. Logo depois, veio outra mensagem no celular. Que saudade! Que bom ouvi-la! O avião continuava com seu ronco a 3000 metros de altura. Três mil metros de altura! Não é pouca coisa! A vozinha ali atrás me encanta: - pra baixo, pra cima, pra baixo, pra cima... lo,lo,lo...- ela se mexia e remexia na poltrona, e no vão delas. Nisso, fomos chegando ao nosso destino... A aeronave começou os procedimentos de aterrissagem. O avião fez um giro sobrevoando a região central de São Paulo. Um arrepio me percorreu a espinha dorsal. O piloto nos agradeceu avisando que a temperatura externa era de 22 graus. Que gentil! Só pode ser elegante e talvez grisalho. Suei frio... será que esse pássaro prateado vai pousar suavemente?!... A tal aeronave que se chocou era igual a esta, um Airbus A320, e tinha saído de Porto Alegre no dia fatídico onde todos perderam a vida. Deu-me um nervoso só de relembrar aquele acidente horrível. Sentia-me gelada na espinha dorsal e na nuca. Aterrissamos!... Agradeci aos céus, e a todos os deuses por este piloto competente. Graças a Deus o pouso foi muito bom! Senti o freio nos arremessar pra frente com muito mais força que de outras vezes. Foi uma freada brusca... era preciso... todos sabemos... a pista (muito curta para pousos) de Congonhas é um constante desafio. A menininha atrás de mim enfia a carinha pela fresta da poltrona, e me diz “oi” com toda doçura... e cantarola.... lalalalala... que gracinha! Ela tem cachinhos claros, olhinhos lindos e um sorriso encantador. Erguemo-nos. Cada um de nós, passageiros em viagem, olhamo-nos aliviados por termos chegado bem. Recolhi minha bagagem de mão e segui em frente pro encontro com meu Filippo. - “Tchau, e muito obrigado”- dizem-nos as aeromoças. Felizes, todos nós, também agradecemos, e fomos em frente, confiantes, cumprindo nossas jornadas. (20.agosto.2007) IZABELLA PAVESI Izabella Pavesi
Enviado por Izabella Pavesi em 07/04/2013
Alterado em 15/04/2013 |