Grutas de Frasassi
O imponente Monte Sibillini revestido por uma grossa camada de gelo, serenamente compunha a paisagem que apreciávamos, e no seu ventre uma silenciosa gruta nos aguardava. Tínhamos embarcado no ônibus pela manhã (32 alunos) e o assombro da nevasca estava estampado em cada olhar. Era previsível, sim, em janeiro, mas a intensidade surpreendeu até o diretor da escola que nos acompanhava. Pra nós, brasileiros, que não tínhamos neve assim atapetando a terra foi uma alegria só. Que espetáculo!... Sorte também que o motorista era muito habilidoso, pois a margem entre estrada e neve era milimétrica. Tão logo desembarcamos, subimos uns degraus, passo a passo, faceiros. E... descortinou-se o palácio de cristal em todo seu esplendor. Cristais... cristais... muitos cristais... estruturas calcárias sedimentadas, blocos de rochas de diversos tons, estalactites e estalagmites de muitas pontas pro alto e em direção ao solo. Eu que nasci numa terra de cavernas (Botuverá) rendi-me à criação divina. - Wow!... Que deslumbrantes galerias subterrâneas!... - São muitos salões! – disse- nos Marco, o guia italiano. - Que encanto!... – exclamou Monique. Percorremos, admirados, o grandioso salão com mais de 200 metros de altura, e em cujo interior cabe o Duomo de Milão, todo iluminado com luzes brancas. Depois, descemos por uma estreita passarela e adentramos a sala “delle Candeline” com luzes esverdeadas. Essas formações datam de 190 milhões de anos e se localizam na Província de Ancona (Le Marche), bem no meio da Itália. Subimos para outro salão chamado “dell’Infinito” com cores azuis delicadas, monocromáticas de encher os olhos. Em nenhum ponto da gruta penetra qualquer raio de sol que seja, e tem umas lagoinhas iluminadas de neon azul. Caminhando a passos lentos sobre as estreitas passarelas parecia que tínhamos adentrado outro mundo, mágico e divino. Ouvia-se vez por outra um pingo aqui e ali, mãe terra irrigando seu tesouro interior. As grutas de Frasassi são o maior complexo de cavernas subterrâneas da Itália, com 30 quilômetros de percurso, em oito níveis geológicos diferentes. É notável no mundo dos espeleologos, e grandioso pelas estalactites e estalagmites. Embora o que está disponível para visitação seja só de um kilômetro e meio, surpreendeu-nos pela beleza inenarrável. O restante das grutas só é acessível aos espeleologos e estudantes de espeleologia. Percorrendo as rampas nos sentimos confortáveis, pois a temperatura não superava os 14 º C, contrastando com o gelo lá fora de 11 graus negativos. O grupo se deleitava com o inusitado... e saíram fotografando... flashes e mais flashes. As estruturas da caverna estimulam a fantasia... camadas de sorvete calcário, mil pontas pendendo do teto, flores aqui e ali sedimentadas, cones de rochas rendados emolduravam a passagem, tudo ao som mágico de filetes d’água escondidos. - Vejam!... “l’obelisco”,... o “gigante”,... ali o “camelo”... a “Madonina”... o “dromedário”... ia nos mostrando Marco, e nossas pupilas espelhavam o brilho daqueles salões, transcendentes ao nosso ser. Muito além da nossa compreensão estão os mistérios de Deus. - Essas luzes dão um toque de misticismo,... que lindo!... - Nossas vozes ecoavam no vazio de maneira peculiar. - Essas rochas são chamadas de “canne d’organo”, pois mais parecem um órgão musical e se tocadas saem melodiosos sons de seu ventre – explicou-nos Marco. Um grupinho ria,... não paravam de dar uns risinhos meio abafados, meio assim... a meia-boca, pois muitas estalagmites que irrompiam do solo mais pareciam uns falos gigantes e se encontravam em toda a gruta. - Esta gruta foi descoberta em 25 de setembro de 1971, por uma equipe de espeleólogos liderados por Giancarlo Cappanera. Nossos olhos atentos percorreram a sala dell’Orsa (o bloco de pedra tem a forma de uma ursa), e mais adiante o “Abisso Ancona”, um imenso abismo assim chamado em homenagem à cidade dos descobridores. Mais spots de luz aqui e ali, estrategicamente instalados. Bastava sentir... a energia cósmica universal estava ali. Foi uma alegria conhecer essa bela caverna, apreciar os imensos salões e de nos embrenhar pelos pequenos túneis e galerias. Na saída da gruta, em meio ao deserto branco, vimos uma barraquinha, único espaço aberto pra beber algo. Um alegre senhor logo nos ofereceu bebidas (grappa) e uns sanduíches italianos com tomate e ricota. - Três cafés, por favor!... – pediu Alana, pra nós. – Estávamos tiritando de frio, mesmo empacotadas em nossos casacos acolchoados – Tem que tomar com grappa, pra esquentar – disse-nos. – Será?!... - ele nos serviu – Tomem, vai lhes fazer bem. – e foi bom mesmo. Um grupo de esquiadores (com suas roupas coloridas) se achava ali e nos olharam demoradamente com extrema curiosidade, quatro rapazes e duas moças.
- Dove viene voi? (De onde vêm vocês?) – perguntou-nos um deles. - Do Brasil! – disse- lhes. - Uau!... Del Brasile!!! – parecia que os primeiros acordes do samba da passarela acabavam de soar... e nós nem éramos mulatas. Os olhos arregalados de dois deles arrancaram risos dos demais e nós nos olhamos surpresas. Contamos aos italianos porque estávamos ali e que éramos descendentes de italianos. - E vocês sambam?... – nos perguntou um deles, cheia de simpatia – (rimos) – Naturalmente que sim! – aí os olhos se arregalam mais um pouco. – Parecíamos uma espécie rara quase em extinção. - Onde tem banheiro? – perguntou Alana. – Ali adiante – apontou o senhor do café. – E agora? – o caminho era só neve, uns 45 cm de neve. Um manto belíssimo, com linguetas de gelo caindo dos ramos dos pinheiros. - E adesso? (e agora?) – olhamo-nos sem saber o que fazer. - Ragazzi?... per favore! – uma das moças olhou pra eles e pediu... Eles se entreolharam... e um deles pegou uma pá. (só então percebi que em certos lugares com neve, tem sempre uma pá por perto, pra que alguém limpe um corredor pra passarem). Por sorte nossa, o corajoso rapaz cavou uma trilha até o banheiro. Fomos lá e voltamos, e eles nos aguardavam, mas o bate-papo teve de ser interrompido, pois o guia veio nos chamar pra irmos de volta pro ônibus. Que pena!... Alana teve a feliz ideia de pegar o telefone do rapaz que não cansava de admirá-la, e ambos se registraram num retrato branco e alegre. Fez bem, pois eles voltaram a se encontrar na mesma gruta no ano seguinte e casaram-se em pleno janeiro cheia de neve. _______________________________________________ IZABELLA PAVESI _____________________________________________ imagem: internet _______________________________________________________________ Texto publicado na Revista INSIEME nº 175 - julho.2013, em português e italiano. Izabella Pavesi
Enviado por Izabella Pavesi em 12/06/2013
Alterado em 06/08/2013 |