Naquele rio
Hoje, depois de longos anos, já não me banho naquele rio transparente. O rio de Botuverá. Aquele rio, mágico, ainda segue seu curso impetuoso... já não é mais límpido, já não reflete a menina curiosa e doce que se espelhava. Nem o menino irrequieto e brincalhão que você era, meu querido primo. Não é mais nosso espelho ondulado das tardes de verão, que fazia ondinhas... e a gente jogava pedrinhas para fazer mais ondinhas. Ele ainda passa pelo mesmo leito e ainda se atira em direção ao oceano. O maravilhoso rio, que já não nos banhamos. Suas águas fluem incessantemente. - Vem, Iza, ver os peixinhos, estão pulando... venha! – tua voz ainda ressoa nos caminhos da minha memória. E deitávamos na margem para ver mais in loco aquele reluzente espetáculo da natureza. E jogávamos um carretel de linha simples, para pegar um daqueles e depois brincar sem anzol. Inútil! Depois, eu erguia as mãos em concha e pegava uns filhotinhos bem miudinhos e brilhantes. Todos os dias corríamos até lá para ver as águas fluírem cantando sua incansável e doce melodia entre as pedras e carregando algumas folhas e os peixinhos. Já então, o frescor daqueles momentos carregavam as minhas incertezas para longe, e tudo parecia clarear como o algodão no céu refletido n’água. A linha lá ancorada... Mas a cada dia a água era nova, límpida outra vez, renovada. Não era a mesma água do dia anterior! Que incrível! Fomos crescendo a cada dia e nosso olhar em transe, hipnotizados pelos reflexos luminosos, seguia o zarpar veloz dos bichinhos. Que lindos! As pedras brilhantes, num tom amarelado, formavam monocromáticas telas de pintura. Havia sempre uma brisa fresquíssima que perpassava o vale e vestia o céu de um azul vibrante. Posso ainda ver aquele cenário de paraíso. Depois, entre as fileiras de inhame e amoras seguíamos para casa pela trilha que levava à cerca das framboesas e, junto dela, o caminho do lar. Hoje, meu tempo invade aquele tempo de alegrias puras. E entrelaço aqueles dias longínquos com os de hoje em frente às águas do mesmo rio. Não nos acompanha aquela pureza da vida no sítio. Que pena! Que infância saborosa! Eram tempos de olhares demorados, de correr até cair na relva verdejante gargalhando e rolando morro abaixo; tempo de subir no pé de goiaba e se esquecer de tudo, de abraçar a cabrita que nos dava leite, tempo de procurar os ninhos dos pássaros e, ingenuamente, levá-los para casa como animaizinhos de estimação. Inocência infantil, como és breve! Tempo de dançar na goteira da chuva que caía na humilde casa de madeira sem calçadas. Tempo lindo que não volta. Tempo de paz na terra. __________________________________________________ Izabella Pavesi _____________________________________________ imagem: arquivo pessoal Izabella Pavesi
Enviado por Izabella Pavesi em 21/06/2016
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